quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Ethan Skemp, narrativismo e Storytelling

No final do bate-papo com Ethan Skemp, Maria do Carmo Zanini fez uma pergunta meio ousada para o escritor da White Wolf.

Segue o texto:

MC Zanini: Não sei muito bem se vocês aí da White Wolf conhecem a teoria CNS [ou GNS, em inglês] e o fórum The Forge...

Ethan Skemp: Conhecemos sim, alguns mais, outros menos. Posso ser da velha guarda, mas tento me manter a par de certas idéias, e alguns dos membros mais novos das equipes de desenvolvimento estão bem por dentro da teoria dos RPGs independentes.

MC Zanini: Beleza. Vocês já cogitaram dar uma abordagem totalmente Narrativista [Narrativist] ao sistema Storytelling?

Ethan Skemp: Acho que seria uma experiência interessante, mas mudar tudo? Para ser franco, temos uma diversidade tão grande de fãs que acho que uma mudança como essa acabaria excluindo alguns deles. Muitos de nossos fãs adoram ter nas mãos e poder jogar um monte de d10; eles gostam do desafio Competitivista [Gamist] de fazer inimigos poderosos em pedaços dentro de um contexto de horror. E alguns fãs gostam mesmo da aleatoriedade arriscada da Simulação [Simulation]. Definitivamente, nós aqui da White Wolf gostamos de uma boa Narrativa, mas não acho que ela seja a única coisa que torna um RPG excelente. Acho que são os outros elementos que tornam o jogo tão interessante: o fato de que um RPG pode ser muitas coisas para muitas pessoas. O único inconveniente é tentar descobrir o que exatamente a gente quer e o que fazer para jogar com as pessoas que gostam das mesmas coisas: pode ser uma grande decepção não encontrar pessoas que gostam tanto das mesmas coisas que a gente. O interessante é que eu, provavelmente, sou uma mistura de Narrativista e Simulacionista [Simulationist]: simplesmente adoro simular filmes, contos de fadas ou outras coisas, em vez de partir para uma mera realidade alternativa. É por isso que gosto muito de discutir a natureza do RPG. Gosto de suplementos como os Chronicler’s Guides, de conversar nos fóruns, de 'postar' em blogs ou até mesmo de participar de bate-papos como este: adoro a oportunidade de, quem sabe, ajudar outras pessoas a descobrir maneiras de melhorar suas sessões de jogo, ou a chance de vê-las me mostrar como melhorar as minhas!

Talvez por desconhecimento do que é o The Forge e/ou a teoria CNS, algumas pessoas aparentemente não entenderam bem a resposta de Skemp. Segue um pequeno texto de Maria do Carmo Zanini a respeito disso, que também foi publicado entre os comentários da matéria acima.

Olá!

Só para esclarecer aquela minha pergunta ao Ethan Skemp sobre o sistema Storytelling e o Narrativismo:

As idéias que hoje formam o Modelão do fórum The Forge, antes chamado de Teoria CNS (ou GNS, em inglês), começaram a surgir quando alguns RPGistas norte-americanos perceberam que pessoas diferentes têm interesses diferentes na mesa de jogo. Eles começaram a discutir o assunto e chegaram a um resumo da coisa (o Modelão), que diz mais ou menos o seguinte, de uma maneira muito simplista: 1. os Competitivistas esperam que uma sessão de jogo coloque diante deles desafios que eles possam enfrentar com uma chance justa de vencer; 2. os Simulacionistas querem aproveitar a sessão para explorar melhor seus personagens ou até mesmo o cenário do jogo; 3. os Narrativistas querem contribuir para a criação e o desenvolvimento de uma história interessante.

Um exemplo: Um grupo formado por três personagens está à procura de uma garotinha da vila que se perdeu dentro de uma caverna. Eles chegam a um salão oval e deparam com um enorme dragão vermelho. O jogador Competitivista vai dar uma boa olhada na ficha dele, e talvez também nas fichas dos colegas, e avaliar se o grupo teria alguma chance de vencer o dragão (e não precisa ser necessariamente em combate) naquele exato momento. O jogador Simulacionista vai se perguntar o que o personagem dele faria naquela situação e agir de acordo, ou seja, se o personagem tiver fobia a dragões, ele vai fugir, mesmo que tenha o maior poder de fogo do grupo. O Simulacionista também poderia, por exemplo, tentar se colocar no lugar do dragão, para saber como a criatura pensa e tentar achar uma solução para a situação a partir daí. O jogador Narrativista pensaria, antes de mais nada, na atitude que o personagem dele poderia tomar para tornar a história mais interessante, engraçada, dramática, trágica ou seja lá o que for (se ele achar interessante o personagem bancar o covarde para se tornar um pária na vila, ser expulso e perder seu grande amor, que seja; se for mais interessante morrer lutando com o dragão, para que o nome do personagem seja cantado por todos os bardos da região, ótimo também).

Alguns participantes do fórum The Forge argumentam que é impossível ou impraticável um RPG agradar a todos os três tipos de jogador, e que a melhor coisa que um designer de jogos pode fazer é bolar um sistema de regras condizente com o perfil do jogador que ele quer atingir. O "d20 system" seria um bom exemplo de sistema que tende ao Competitivismo. GURPS seria um bom exemplo de sistema com tendências mais Simulacionistas. Infelizmente, não temos nenhum sistema de regras comercial e largamente conhecido, publicado em português, que apresente uma tendência forte ao Narrativismo, mas se vocês quiserem alguns exemplos, dêem uma olhada no Buraco RPG, de Itiro Kariya, e também nas resenhas de My life with master, Primetime Adventures e Dust Devils, que estão todos no website AtsumiRPG.

O lance com o sistema Storytelling (e com o Storyteller também) é que ele tem regras Competitivistas, Simulacionistas e Narrativistas, todas juntas no mesmo pacote. O pessoal do The Forge tende a discordar dessa estratégia, pois acha que os jogadores Competitivistas, por exemplo, não vão curtir as regras Narrativistas, e podemos fazer o mesmo raciocínio para os Simulacionistas e Narrativistas em relação às regras Competitivistas. Esse tipo de coisa, segundo eles, pode deixar certos membros do grupo de jogo um pouco frustrados.

Ethan Skemp tem uma opinião diferente.

Abraço,

Maria do Carmo Zanini

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