Infelizmente o site da LUDUS CULTURALIS ainda esta fora do ar, e a sua nova estrutura ainda não esta pronta. Eu tenho muito, mas muito orgulho mesmo do tempo em que presidi a entidade, mesmo com toda a dor de cabeça que foi cuidar de uma associação cujo objetivo era melhoria de qualidade da educação através do uso de jogos. Podem bem prever o quanto empresas e poder público estão interessados em providenciar verba para esses assuntos...
Vou aproveitar e colocar aqui um texto que escrevi para o fanzine do meu amigo Felipe Pacca e depois foi republicada na RPG online. O texto foi redigido para que os jogadores de RPG entendessem melhor o que é esse tal RPG e educação...
Brincando e Aprendendo
Sempre que em algum veículo da mídia aparece alguma acusação contra o RPG, os jogadores prontamente rebatem as acusações, mesmo que em alguns casos elas não sejam bem claras. Muitas vezes o procedimento é “responder primeiro e depois tentar entender o que foi dito”, outras nem se tenta entender, e por aí vai. Mas, em 90% das vezes, nosso bravo defensor do RPG fala sobre o RPG como excelente forma de ajudar no aprendizado, já tendo sido comprovada sua eficácia como ferramenta didática.
Bem, o problema é exatamente como se aplica o RPG na educação? Muita gente fala sobre isso, mas poucos tentam explicar (porque menos pessoas ainda saberiam explicar de fato) como isso funciona. Chegam incessantemente e-mails para minha caixa postal com perguntas de como se pode usar RPG para ensinar matemática ou geografia. E não são somente de professores. Mesmo jogadores experientes se atrapalham muito quando interrogados por seus professores sobre como isso pode ser feito. Com a melhor das boas vontades, o jogador cria uma aventura divertida na qual aquele assunto será abordado de uma maneira que muitas vezes não satisfaz o professor, e este acaba achando que o tal uso do RPG na educação é um assunto estéril. Por outro lado, o narrador fica frustrado com seu professor por ele não entender o que o bem intencionado Mestre tentou mostrar. Como é possível essa falta de entendimento mútuo? E como um assunto de que tantos falam a respeito pode ser tão nebuloso?
Quando Albert Einstein visitou os Estados Unidos, Charles Chaplin serviu de anfitrião para o cientista alemão. Quando o povo americano foi às ruas saudar o famoso físico, Chaplin disse a Einstein que o povo amava Chaplin porque conseguia entendê-lo, e a Einstein, porque não conseguiam.
Parece que algo semelhante ocorre com o RPG.
Mas, por incrível que pareça, há muita resistência quanto a essa idéia de usar RPG na sala de aula. Inclusive por jogadores. Já li mensagens de vários jogadores de RPG que são contra isso, pois, na opinião deles, se for levado para a sala de aula, o RPG se tornará chato, apenas mais uma matéria. Há também os educadores que desconhecem o assunto e não vêem como seria possível fazer uma aula em que os alunos vão ficar matando orcs e soltando magias. Ai, ai, ai, que dureza...
Como podemos ver, há um grande mistério em relação a essa coisa de RPG e educação. Parece ser mais fácil achar a toca do vampiro e convencê-lo a assistir com você um belo amanhecer do que entender essa conversa estranha de RPG na sala de aula. Então, chegue mais perto e vamos tentar decifrar esse enigma.
Primeiro, não há propriamente um uso “certo” do RPG em sala de aula. Embora alguns tenham tentado criar “receitas” para uso próprio, não há uma padronização oficial de como usar RPG na educação. São vários os educadores e pesquisadores sérios que podem relatar experiências diferentes com a utilização do jogo como ferramenta didática. Aliás, talvez o correto seja dizer usar a técnica narrativa do RPG, ao invés do próprio jogo. A diferença entre um e outro é que o jogo de RPG, por mais simples que seja o sistema, tem uma certa complexidade necessária, devido às regras, como criação de personagens, elaboração de testes etc. Já numa sala de aula, isso acaba tomando um tempo precioso, já que uma aula tem um tempo muito mais limitado do que uma sessão de jogo normal.
O professor de física Francisco de Assis usa RPG em suas aulas como meio de tornar os alunos mais participativos e cria aventuras em que os alunos-jogadores acabam descobrindo as leis da física e entendendo melhor como o mundo ao nosso redor funciona. Em suas aventuras, ele não usa nenhum sistema conhecido, apenas o bom e velho roleplay. Francisco, conhecido entre seus amigos como McAssis ou Professor Superman, conseguiu excelentes resultados no aprendizado da Teoria da Relatividade (aposto que Einstein ia se divertir com isso!) usando aventuras fantásticas nas quais aparecem até cavalos que correm à velocidade da luz.
O uso do RPG na educação mais simples de entender é no ensino de história. Experiências como a do educador e pesquisador Carlos Klimick (que os jogadores mais veteranos vão lembrar como autor dos excelentes Desafio dos Bandeirantes e Era do Caos) mostram que fica mais simples entender o porquê de certas atitudes de personagens históricos ao se “participar” desses momentos. Quando os jogadores são habitantes da colônia que têm a “honra” de ser despejados de suas moradias para que a nobreza portuguesa possa morar em suas casas ao desembarcar no Brasil em 1808, fica muito simples entender a “indisposição” dos brasileiros com os recém-chegados. Enquanto não desenvolvem uma televisão que mostre fatos do passado ou a máquina do tempo, o RPG pode ser um meio interessante de passar essas impressões aos alunos. A série MiniGURPS (que poucos sabem, mas é uma experiência autenticamente brasileira) tem cenários históricos interessantes que podem ser usados.
Mencionando o MiniGURPS, mas mudando de matéria, O Resgate de “Retirantes” é um exemplo de como usar RPG no ensino de artes. Durante a aventura, que trata do roubo de um quadro da famosa série Retirantes de Portinari, os jogadores se envolvem numa aventura ao estilo “Carmen Sandiego” atrás de um ladrão de quadros. Durante a aventura, os jogadores acabam aprendendo sobre a vida e a obra de Portinari, enquanto correm atrás do famigerado ladrão. Essa aventura foi criada a pedido do Museu Casa de Portinari, em Brodowski.
Mas as experiências não param por aí. Há diversas experiências com o uso da técnica narrativa do RPG no ensino de matemática, inglês, geografia, folclore, literatura, biologia e outras. Professores como Leandro Villela e Rosângela Basilli empregam essas técnicas com sucesso junto a crianças do ensino fundamental. Já outros, como Marco Ferreira Randi e Rodrigo Moura de Aragão, as utilizam no ensino superior e técnico.
Não se pode deixar de citar o uso do RPG também como ferramenta de treinamento. Felipe Pacca (também conhecido por seus amigos como o cara mais bonito do mundo) foi o idealizador da aventura Teomaquia, utilizada para treinamento de gerentes de produtos da Roche Farmacêutica num evento em Santiago do Chile. Nesse evento, mais de vinte gerentes regionais de toda a América Latina passaram por um treinamento no qual foi utilizado o RPG para trabalhar a criatividade, a cooperação e o planejamento a longo prazo. Elementos fáceis de reconhecer num jogo de RPG, não é?
Diante de tais exemplos, pode parecer estranha a afirmação de que não há uma “receita” para utilizar o RPG na sala de aula. Mas a verdade é que cada professor adapta a ferramenta para sua atividade conforme seu conhecimento e necessidade. Cada professor tem o seu jeito de dar a sua aula, assim como tem conhecimento do que é necessário para a sua classe específica. A realidade de um colégio particular de São Paulo é diferente da de uma escola pública em Crato, no Ceará. Como a aula poderia ser igual? É necessário que seja adaptada para a sua situação. Da mesma maneira, a técnica da narração interativa, como também podemos chamar, o bom e velho hábito de contar histórias de RPG.
Infelizmente, há também certa resistência por parte de alguns contra essa nova técnica. Alguns dos profissionais citados tiveram dificuldades tanto por parte de professores como de diretores quanto a essas “inovações”. Houve quem perdesse o emprego por estar usando o tal “jogo da morte” na escola. Não são somente os jogadores que estão envolvidos no combate à ignorância: professores que conhecem a dinâmica do jogo têm feito a sua parte em esclarecer o público a respeito.
É importante frisar que nenhum professor defende o fim da aula normal. O que esses profissionais fazem é usar mais um recurso para ajudar no aprendizado e estimular a participação do aluno nas atividades. Algumas vezes, essas atividades ocorrem fora do horário de aula, como atividade extracurricular, geralmente muito bem aceita entre os alunos, afinal, quem não gosta de jogos e brincadeiras? Se for possível unir isso ao aprendizado, beleza, certo?
Então faça a sua parte. Divulgue essa idéia. Copie os links a seguir e entregue-os para aquele professor mente aberta que você acha que poderia se interessar. Se for possível, imprima algum material e passe para o orientador ou diretor de sua escola. Por outro lado, se ouvir algum professor escandalizado falando sobre o tal “jogo da morte”, conte para ele que já houve QUATRO Simpósios RPG & Educação. Mostre para ele artigos a respeito e diga que, se há tantos pesquisadores estudando isso, talvez seja interessante ele dar uma olhada...
E já que citei duas vezes Albert Einstein, vamos para a terceira (conhecem o ditado “não há dois sem três”?):
A secretária de Einstein perguntou certa vez ao físico como ela poderia explicar de maneira mais simples a Teoria da Relatividade às diversas pessoas que enviavam cartas com dúvidas. O brilhante alemão sugeriu que ela dissesse aos leitores para se imaginarem sentados no trem ao lado de uma moça bonita durante um minuto. E depois que se imaginassem sentados em cima da boca acesa de um fogão, também durante um minuto. Enquanto o primeiro minuto passaria velozmente, o segundo minuto duraria uma eternidade. Isso era um exemplo de relatividade.
No fundo, é mais ou menos essa a idéia de usar a técnica do RPG na sala de aula. Tornar aqueles minutos que todos os alunos ficam contando, ávidos para acabar, em uma atividade interessante e reveladora.
Vale a pena tentar, não acham?
www.ludusculturalis.org.br
www.historias.interativas.nom.br
www.rpgeduc.com
www.jogodeaprender.com.br
9 comentários:
O que faltou ser mencionado é a resistência da própria academia sobre o uso de RPG como objeto de monografias, teses, etc. Acredito que ainda haja, e que tenha pouco professor querendo orientar trabalho assim. Todavia, um amigo meu vai apresentar uma monografia neste mês sobre uma forma "lúdica" de se ensinar o ciclo da Inteligência governamental. Sorte que existiu orientadores para isso...
Salve Ricardo!
Olha, nas palestras e com os professores que falei, vi mais resist~encia por parte dos professores mesmo. Uns com o papo "escola não é local para diversão", outros "tenho X anos de magistério e querem me ensinar a dar aula" e ainda "ah, isso dá muito trabalho". Sei apenas de uns dois ou três casos em que a resitência veio por parte da escola mesmo...
abçs e boa sorte ao seu amigo!
Isso desanima bastante, Jaime. Estou começando a fazer isso, mesmo que sozinho, mesmo com tanta resistência. Farei até outro tomar meu lugar.
Eu já pensava bastante a respeito, mas não tinha um rumo, sem saber como fazer e agora animado mais com a intenção de ingressar num mestrado com o tema RPG e educação.
E aguardo o custo do livro ainda.
Gilson
Salve Gilson!
Nâo desanime!
Eu apenas citei casos, mas isso não quer dizer que no caminho só há espinhos... é minha mentalidade prática que analiza os problemas primeiro. :D
Há cada vez mais trabalhos acadêmicos relacionando com RPG e isso deve continuar cada vez mais. E quanto mais trabalhos feitos, maior o material disponível para se demostrar como pode ser bem sucedida essa experiência, se aplicada corretamente.
Pensei já ter respondido, desculpe! :(
Mando hoje!
abçs!
Há previsão para o retorno do site da Ludus?
Se for muita indiscrição perguntar aqui, me desculpe. Se eu ainda puder saber algo, sem divulgar para alguém, pode ser por email.
Grato!
Gilson
rpgsimples.blogspot.com
Amigos, o assassinato ocorrido em Ouro Preto que a mídia adora culpar o “RPG” foi a julgamento hoje. Infelizmente, novamente a mídia atacou o jogo como se ele fosse responsável pela morte da garota. Na Rede Alterosa, a afiliada do SBT em MG, os repórteres deram ênfase no que eles chamaram “o crime do RPG”. Como isso ofende muita gente, principalmente nós, jogadores, fiz um e-mail para a emissora. Gostaria de apresentá-lo aqui, e também sugerir que, caso alguém também se sinta indignado, mande uma mensagem para lá no site:
http://www.alterosa.com.br/html/capa_faleconosco/capa_faleconosco.shtml
Aqui vai o e-mail:
Sr. Leopoldo Siqueira e amigos da Alterosa,
Acompanho diariamente o programa “Alterosa Esporte”, mas na data de hoje ouvi você dizer uma coisa que me fez repensar se realmente vale a pena ver um programa com um comunicador irresponsável em seu comando. Sei que errar é humano, mas no papel de vocês, formadores de opinião, esse tipo de erro causa estragos em muitas vidas. Falo do momento em que você falou sobre a matéria do crime em Ouro Preto, chamando-o de “Crime do RPG”.
Leopoldo, você deveria ter um maior cuidado com as coisas que diz ao vivo. O RPG é um jogo, que tem como objetivo divertir pessoas. No RPG, não há mortes de verdade, mas de faz-de-conta, como tem em jogos infantis como o de polícia e ladrão. O RPG não cria bandidos. Se isso fosse verdade, os EUA seria uma nação de criminosos, porque vinte milhões de pessoas jogam lá. Quando você diz “crime do RPG”, você ofende todos os praticantes desse hobby no Brasil, de uma forma equivocada. Não sei se aquelas pessoas são realmente culpadas daquele crime, mas se forem, tomara que sejam condenadas. Porém, você não pode “generalizar” um hobby, tornando seus praticantes um bando de criminosos.
A generalização é um erro, comum das pessoas pouco informadas. Se você um acerto, eu poderia dizer que todo jornalista é um assassino, devido ao crime cometido há pouco tempo pelo jornalista da Folha de São Paulo. Portanto, sr. Leopoldo Siqueira, por favor se informe sobre o RPG antes de fazer esse tipo de insinuação. Você poderia até fazer um “desafio da bancada” com o jogo, ao invés de denegri-lo. Meu sogro, ao ouvir você falando, me disse “Ricardo, pára com esse jogo que é errado”. Devido ao que você falou, talvez até a família da minha esposa, assim como a família de diversos rpgistas mineiros, considere os jogadores como pessoas “erradas”.
Espero que leia pelo menos parte dessa mensagem no ar. Se esse programa realmente é democrático, a democracia só existe quando as pessoas são respeitadas. Sem respeito, ela padece.
Ricardo Gontijo
Eu me lembro bem deste artigo, ficou bacana mesmo.
pena que só teve um numero.
Eu escrevi uma especie de guia pra iniciantes e muitos jogadores aqui até hj elogiam o zine e perguntam quando haverá outro. E eu respondo: Quem sabe em breve?
hehehe
Salve Rey!
Tomara, meu caro, tomara...
abçs!
Muito bacana o seu artigo!
Tenho trabalhado com o RPG na escola desde 2005 e, somente neste ano (2009), consegui levá-lo para dentro da sala de aula, como um dos recursos a serem usados para a compreensão dos conteúdos de Física (Sim...sou prof. de Física! rs).
É recorrente me perguntarem o que RPG tem a ver com Física, ao que simplesmente respondo: TUDO!
A escola tem me dado ampla abertura para a prática rpgística, dentro ou fora da sala; até consegui convencer outros professores a usar o RPG, depois de mestrar uma aventura somente entre eles! O número de estagiários licenciandos que trazem aventuras didáticas para a escola tem aumentado. E os alunos tem adorado a novidade! Já me chamam, pelos corredores, como o prof. do RPG! rs
Como Jaime disse... Não só existem espinhos nesse caminho! Mas temos que encontrar as melhores trilhas, e isso, muitas vezes, demanda tempo e vontade! Nem todos os tem!!
Ricardo Amaral
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