quarta-feira, 18 de março de 2009

RPG quer respeito - Segunda impressão!

Recentemente meu amigo Tiago Lobo escreveu uma interessante e controvertida matéria na .20 com uma instigante chamada: Os RPGistas querem acabar com o RPG.

Na matéria Tiago acaba citando uma frase minha de uma matéria que escrevi para a revista Nível Épico. Não vou falar sobre a matéria pois não é o caso agora, mas o Maurício Linhares, da equipe do simpático Pensotopia ficou intrigado com uma declaração minha de que os jogadores de RPG e as editoras seriam imaturas.

Bom, como o Tiago já tinha dado permissão de publicar a matéria (que já esta no meu Multiply), eu vou reproduzi-la aqui, e aproveitar para ressucitar meu modesto blog.

RPG quer respeito!
Jaime Daniel Leandro Rodríguez Cancela

O cenário é o seguinte:
As igrejas católica e evangélica orientam seus fiéis para atacar o “jogo” pagão que desvirtua seus jovens e os afasta da palavra do Senhor. Em salas fechadas e pouco iluminadas, homens e mulheres detentores de poder político e econômico reúnem-se preocupados com a influência estranha que o tal “jogo de interpretação” tem sobre os jovens, desenvolvendo suas capacidades intelectuais até chegar a níveis crítico-filosóficos preocupantes. Alarmados com esse perigo, os lordes da mídia começam campanhas urdidas nas sombras para eliminar o perigo que arranha suas portas perigosamente. Pela primeira vez, os jovens começaram a questionar os valores atuais e as regras dessa sociedade opressora, tudo devido à incrível capacidade, sem precedentes, do tal jogo que estimula o intelecto e desperta a rebeldia contra os padrões estabelecidos. Tudo isso por causa desse tal RPG.

O RPG DEVE MORRER!!!!

Bem, agora que chamei a atenção de vocês, vamos lá. Isso aí é um cenário de RPG que meu amigo André Natali criou para Cyberpunk 2020. Imaginamos até o que teria acontecido conosco (jogadores, e não personagens) nesse cenário. Foi MUITO engraçado!

Corte para a realidade!

Em poucos dias tivemos dois casos de crimes em que o RPG foi citado. Houve o caso do tal “Vampiro”de Presidente Prudente e o namorado frustrado de Contagem. Não vou entrar em detalhes sobre os casos porque não é esse o meu objetivo. Mas é bem evidente que ambos estão muito mal explicados. O que realmente me chamou a atenção foi o comportamento dos jogadores de RPG. Assim que soube do caso, um jogador colocou imediatamente em fóruns, comunidades e listas de discussão o acontecido (assim como das outras vezes) e recomeçou o furor de indignação devido aos ataques desferidos contra o RPG. Jogadores bradando contra a imprensa que persegue cruelmente o RPG. Mestres vociferando contra os políticos que querem eliminar qualquer tentativa de questionar os valores atuais. Declarações cheias de malícia e fel contra as instituições religiosas, preocupadas em manter seus rebanhos controlados...
Hmmm... por um momento, fiquei na dúvida se estava falando da realidade ou de um cenário de fantasia!

Fincando os pés na realidade!

É bem evidente para nós, jogadores de RPG, que as alegações do envolvimento nesses crimes é risível. Nós conhecemos o jogo, dominamos sua mecânica e desfrutamos de sua diversão. Então é claro que nossa indignação é grande quando lemos que “os assassinos pegaram os bens das vítimas como prêmios do jogo” ou que “o dado escolheu quem deveria matar ou morrer”. Isso é totalmente descabido. Qualquer um que jogou uma ou duas sessões de RPG vai perceber que tem algo errado nessas afirmações. Aquilo não corresponde à verdade! E aí acontecem as manchetes fantasiosas, pais preocupados queimando livros e proibindo os filhos de jogar RPG, pessoas assustadas com o fato de que aquele jogador que conhecem pode estar se tornando um sociopata, e outros casos bizarros.

Nós, jogadores, queremos respeito da imprensa, da igreja e da sociedade. Queremos que respeitem nosso lazer. Respeitem nossa vontade de, durante poucas horas, vivermos num mundo fantástico que em nada difere da sensação de assistir a uma novela na TV ou a um filme no cinema. E, se não respeitarem nosso direito... vamos bater os pés no chão e fazer biquinho!!!!

(????????????????)

OK, vou explicar! O que escrevi até agora foi para entrar na seguinte questão: o jogador de RPG exige respeito da imprensa, da igreja, do professor, dos pais, dos amigos, de Deus e do Chuck Norris! Mas esquece uma coisinha. Respeito deve ser conquistado também! Claro que se presume que todos merecem ser tratados igualmente perante a lei, mas espera-se que todos tenham igual comportamento também. E a verdade é que o mundo do RPG no Brasil é extremamente imaturo. E isso não é exclusividade dos jogadores! Mesmo entre quem faz o RPG no Brasil vê-se muitas atitudes imaturas ou amadoras. E isso não ajuda nada a questão. É claro que sempre há aquele cara com quem a gente não se entende ou fez alguma coisa que nos desagradou ou até prejudicou. O problema é quando isso vira notícia ou assunto principal de conversas. Se assistimos a políticos trocando tapas na Tailândia, damos risada porque eles são patéticos. Se vemos nomes conhecidos trocando acusações ou desaforos, não são poucos aqueles que querem sentar na primeira fila e assistir, com pipoca na mão. Como exigir respeito assim? Como o jogador exige respeito se não demonstra que merece ser respeitado?

Em 2005, fui com alguns integrantes da LUDUS CULTURALIS até os estúdios da TV Bandeirantes gravar uma entrevista para o programa Dia-a-dia. Além da produção insistir para que fôssemos fantasiados (o que não fizemos), a jornalista que nos entrevistou não parava de fazer perguntas estranhas, como: “Vocês tomam drogas para poder jogar melhor?”, ou “O RPG pode transformar uma pessoa tímida em violenta?”. Nós medimos cada palavra que dissemos para a repórter, durante uma gravação de 50 minutos, para que nada pudesse ser mal interpretado ou desvirtuado. No dia seguinte, NADA do que dissemos foi ao ar. Preferiram chamar outro pessoal ao vivo (junto com a mãe da menina assassinada no caso de Ouro Preto). Por quê? Tirem suas conclusões.

Poucos dias depois, o jornal da Cultura e da Bandeirantes nos procuraram para uma entrevista. Antes de começar as gravações, conversamos intensamente com os repórteres para ter certeza de suas intenções. Somente quando convencidos de que seriam reportagens sérias, permitimos que começasse. O reporter Aldo Quiroga, do Jornal da Cultura, ainda nos disse que, se outras pessoas fizessem o mesmo de forma tão educada e objetiva, diminuiriam muito os casos de “imprensa marrom”.

Então a imprensa é boa ou má? Nenhum dos dois, o que há são profissionais bons e maus, e isso há em todos os lugares, inclusive nas mesas de RPG. Do mesmo jeito que existe aquele narrador “mala”ou sacana, há médicos, engenheiros, encanadores, eletricistas, pedreiros, repórteres etc. “malas” e sacanas. Mas há o problema de que a imprensa é formadora de opinião. Então o que fazer?

Coloquemos assim: você vai começar uma nova campanha com seu grupo e um dos jogadores quer fazer um personagem de uma raça estranha que você não conhece e parece meio “apelona”. Você vai conversar com o jogador e dizer que não vai dar para usar aquele personagem e ele que escolha outro. Ele bate a mão na mesa e diz que tem o direito de escolher o personagem com o qual quer jogar e que o mestre está sendo injusto. Você provavelmente vai tentar argumentar e explicar que não dá, que isso seria prejudicial para o jogo. Os outros jogadores também tentam convencê-lo a fazer outro personagem, mas o teimoso está irredutível! Ele quer, ele quer, ele quer! Provavelmente você vai dizer um sonoro NÃO e continuar o jogo com ou sem ele.
Agora, se o nosso teimoso tivesse, desde o começo, mostrado o suplemento oficial que traz aquela raça, inclusive com as desvantagens que a escolha acarreta para o persongem, a história poderia ser diferente, não?

Faça a analogia!

Falando sério! O RPG é um jogo complicado de entender para quem nunca jogou. Não dá para entendê-lo bem sem experimentar. É como aprender a dirigir por correspondência. E o RPG ainda é uma atividade de nicho, praticada por poucos. E essa dinâmica tão diferente dos outros jogos causa uma estranheza natural nas pessoas. E quando acontece uma manchete sensacionalista envolvendo o jogo, é natural as dúvidas aparecerem.

Meus pais contam como, nos meados do século passado, o rock sofria ataques de todos os lados. Diziam que a música era um fator de perversão de nossa cultura, uma ameaça à saúde mental de nossos jovens (percebem alguma semelhança?) e que poderia acabar com os valores de nossa sociedade. O que aconteceu então?
Esses jovens cresceram, tornaram-se médicos, engenheiros, advogados, artistas, empresários... e pais. O rock não é admirado por todos, mas é respeitado como gênero musical, foi necessário apenas a sociedade habituar-se e entendê-lo.
O RPG caminha na mesma direção. Não há igrejas atacando o RPG, há alguns exaltados que não entendem o jogo e o atacam devido à ignorância. Não há uma campanha da mídia contra o RPG, há irresponsabilidade de alguns profissionais que querem “criar”notícias que logo caem no esquecimento. À medida que vamos ensinando a nossos filhos e amigos de trabalho ou faculdade o que é realmente nosso hobby, lentamente a ignorância vai ceder espaço a mais um jogo aceito pela sociedade como o gamão, xadrez ou War. Mas, para isso, é necessário que o RPG cresça e amadureça.

Se um filatelista der um soco na minha cara na praça da Sé, isso será um motivo justo para eu ser hostil com TODOS os filatelistas? Não, talvez somente com o desgraçado que me deu o soco. Agora, se TODOS os jogadores de RPG atacarem os filatelistas devido ao soco que UM deles me deu, não há algo errado? Você realmente acha que o mais certo e maduro possível é bater mais forte em alguém que lhe deu um soco? Se for assim, não precisamos de justiça ou polícia, e sim de aulas públicas de boxe ou caratê e distribuição em massa de bastões de beisebol para toda a população.
O RPG tem que amadurecer. O jogador tem que se conscientizar de que é membro da sociedade e tem que se posicionar assim. Se quer ter direitos, terá que ter deveres! E cobrar isso daqueles que estão em volta também. As editoras têm que mostrar respeito pelo seu público e mostrar, igualmente, que merecem respeito, não só com seu trabalho, mas com seu comportamento, como elementos da sociedade, pois isso é esperado de todos.

Enquanto não sairmos da adolescência comportamental que assola nosso meio, seremos vistos por todos como moleques mimados e birrentos... e vamos ficar sem sobremesa!

4 comentários:

Anônimo disse...

eceduFala Jaime, Beleza?

Cara, muito boa a matéria. Apesar de um dado momento o termo "imaturo" realmente pesar, eu entendi o que você quis dizer. O problema realmente pode estar em nós RPGistas em não "brigar" de maneira mais harmônica e socializada pelos nossos direitos como jogadores e apreciadores do Hobby. Eu me lembro bem da época em que eu jogava e que muitos poucas pessoas paravam ou perguntavam o que era o RPG... lá na geração xerox... com o crescimento dos jogadores para o hobby tb iniciou-se o preconceito a grupos gerados por esse crescimento. Meu grupo mesmo tinha o cara que qeria dar porrada em todo mundo, era o cara que não morava na rua e que "desvirtuava os demais". Eu mesmo que trouxe o RPG para onde moro, hà 15 anos atrás com uma edição de "As montanhas de Shamutanti" (tá não é RPG mas voces entenderam...rs), nunca, mas nunca fui desreipeitado por nenhum morador, por ser jogador de RPG, pois essa postura que fala na sua matéria eu lutei muito para manter. As vezes até mesmo os meus jogadores não entendiam... e muitos não entendem até hoje, mas perdi o numero de jogadores que iniciei no hobby e que me perguntam sobre regras e cenários.
Atualmente, estamos passando pela 5ª e 6ª geração do RPG onde moramos: grupos que se formaram com intermédio de um ou mais jogadores que foram ou são de uma geração anterior... rs é engraçado de se ver e acredito que poucos grupos tenham tido essa experiência. Mas o fato é que se eu acredito que conversarmos de uma forma mais áustera, abrangendo todos os aspectos educacionais e ludicos que o Hobby proporciona, essa imagem negativa ue as pessoas possuem vai diminuir muito.

Abraços!

Jaime Daniel disse...

Salve!

Bravo, cara! Vc me entendeu! Minha indignação na época que escrevi o texto era grande devido a um número grande de bobagens que li na internet. Já disse antes que ninguém é obrigado a fazer nada pelo RPG e nem levantar bandeira nenhuma pela causa, mas então não atrapalha quem tá disposto a isso, né?

E o RPG na AMORC, como vai?

As Montanhas Shamutanti... eu tenho pra vender, huahhahaha!

Grande abraço!

Anônimo disse...

Salve Jaime, eu acho que rolou uma má interpretação dos argumentos que eu expus, por parte de alguns leitores.

Eu cito o trecho da tua matéria, pra catar aquele comentário sobre a imaturidade do mercado, que serviu de ponto de partida pro artigo. Inclusive tive o cuidado de explicar o contexto em que tu publicou aquele comentário.

O que eu tenho notado é que os RPGistas querem se fazer ouvir, da forma errada, como tu já tinha apontado a um ano atrás. Tem vezes que, nessa ânsia, acabam só passando os olhos por cima dos artigos para "darem seu pitaco". Por isso muita gente entende as coisas da forma errada.

Pelo menos acho que fui bem claro e em momento algum culpo os RPGistas pela estagnação do mercado ou exijo que levantem bandeiras em prol do jogo.

Abração!

Mike Wevanne disse...

eh realmente isso ae mesmo.

nada mais a acrescentar.